Jornais da Bulgária (Blog N. 159 do Painel do Coronel Paim) - Parceria: Jornal O Porta-Voz

sábado, 12 de abril de 2008

CPIs: da carta Brandi aos cartões corporativos (Pedro do Coutto)

Com o estilo brilhante de sempre, em sua coluna de "O Estado de S. Paulo", edição de 10/04, Dora Kramer revela um certo ceticismo quanto à possibilidade de êxito da Comissão Parlamentar de Inquérito do Senado sobre os cartões corporativos. Esta dúvida quanto ao destino concreto das CPIs sempre é levantada pela maioria da opinião pública que, eticamente, ângulo em que se coloca a jornalista, naturalmente deseja a punição dos culpados. É razoável este impulso.

Com 54 anos de atividade profissional, já me acostumei a identificá-lo. Mas a questão não é apenas punir. O deputado Aliomar Baleeiro, que propôs várias CPIs no último governo Vargas, me disse certa vez que o objetivo maior dos inquéritos é o de conter os absurdos que provocam revolta e indignação, ao lado do propósito de iluminá-los no palco nacional.

Ele tinha razão. Os fatos comprovam, se recorrermos à memória e não nos deixarmos levar apenas pela frustração na linha de pensamento de Hegel, que divide o certo e o errado. Hegel, também jornalista, foi um extraordinário filósofo alemão que nasceu em Stuttgart em 1770 e morreu em Berlim em 1831. Deixou uma obra fantástica. Por isso, inclusive, falei em memória. Comecemos pela mais recente.

O primeiro pedido de CPI para os cartões corporativos causou a demissão da ministra Matilde Ribeiro e, segundo reportagem de Marcelo de Moraes, também no "Estado de S. Paulo" do dia 10, causou um recuo enorme em matéria de gastos com os tais cartões. Vejam só os leitores. Em março de 2007, as despesas somaram 2 milhões de reais. Em março de 2008, ficaram na escala de 786 mil. Redução de 64 por cento. A razão é simples.

Mas vamos viajar ao passado antes de retornar ao presente. Em 1952, uma CPI derrubou Coriolano de Góes da direção da Carteira de Exportação e Importação do Banco do Brasil, a Cexim, não havia ainda o Banco Central.

Dois anos depois, no documento mais dramático da política brasileira, a Carta Testamento, Getúlio Vargas afirmava textualmente: nas relações do que importávamos havia fraudes de até 100 mil dólares. Várias, portanto, daí o plural. Isso numa época em que a balança comercial oscilava em torno de apenas 1 bilhão de dólares. Hoje, é 140 vezes maior. Em 1953, a CPI da "Ultima Hora", criada para investigar o apoio do mesmo Banco do Brasil à criação do jornal de Samuel Wainer para apoiar o governo, terminaria levando à deposição e ao suicídio de Vargas. "Ultima Hora" foi o primeiro capítulo da tragédia de agosto.

Em 1955, dois funcionários uruguaios, radicados na Argentina, Cordero e Malfussi, forjaram a famosa Carta Brandi, endossada e divulgada pelo deputado Carlos Lacerda. Sob assinatura falsa de um imaginário Brandi, o texto revelava uma inexistente correspondência entre o presidente Juan Perón e João Goulart, então candidato a vice-presidente na chapa de Juscelino. Negócios de compra e venda de armas sobre as linhas indignas. Lacerda publicou a carta no dia 30 de setembro.

Por uma coincidência do destino, Perón estava sendo deposto pelas Forças Armadas argentinas no mesmo dia, 3 de outubro, em que Jango e JK venciam nas urnas. Uma CPI esclareceu a trágica farsa. Quando presidiu o Senado, José Sarney mandou incorporar o processo da CPI da Carta Brandi ao arquivo histórico do Congresso Nacional.

Em 1959, Carlos Lacerda pediu a uma CPI para investigar o acordo de Roboré, que levaria a Petrobrás a se associar a empresas multinacionais para explorar o petróleo da Bolívia. A reação contrária foi enorme. Juscelino demitiu Roberto Campos da presidência do BNDE, já que ele era um dos principais articuladores do tratado que se transformou numa espécie de Roque Santeiro, de Dias Gomes: o que foi sem nunca ter sido. Estes são alguns exemplos. Vamos acrescentar outros.

O de maior dimensão, o da CPI de 92, história recente, que levou ao impeachement do presidente Fernando Collor. Quando começou, ouvia-se dizer pelas ruas: não vai dar em nada. O resultado foi outro. A Comissão de Inquérito desencadeada pelas denúncias do deputado Roberto Jefferson foi minimizada em seu início. Levou à demissão do ministro-chefe da Casa Civil, José Dirceu, e à cassação de seu mandato parlamentar e também do mandato de Jefferson. Foi uma bomba institucional.

Com habilidade, e o apoio decisivo de Dilma Rousseff, o presidente Lula superou o episódio. José Dirceu desabou. O governo de Luís Inácio da Silva, não. Pelo contrário. O presidente se reelegeu com 61 por cento dos votos nas urnas de 2006. A CPI das Ambulâncias iluminou um escândalo enorme e retirou das sombras as ações de falsos amigos e correligionários infiéis do Palácio do Planalto.

O senador Aloísio Mercadante, candidato do PT ao governo de São Paulo, foi duramente atingido. Estão aí diversos exemplos que, concretamente, negam confirmação ao ceticismo que a opinião pública, cansada de escândalos e enriquecimentos ilícitos, manifesta até como arma contra a desilusão. Mas são fatos, e, na política e na vida, não se pode brigar com eles. É perder tempo. Como está fazendo o ainda reitor da Universidade de Brasília, Timothy Mulholland.

Intimado a depor pelo Ministério Público, anteontem, com o campus universitário ocupado pelos alunos em revolta, ele já deveria ter atendido ao apelo do senador Cristóvão Buarque e se afastado de cena. Perdeu a condição de continuar. Errou e deve sair. O quanto antes. Antes que uma CPI o derrube.

Fonte: Tribuna da Imprensa